O calendário judaico guarda um dia de profunda introspecção e luto nacional: o Tisha B'Av, ou o Nono Dia do mês de Av. Observado anualmente com um jejum rigoroso que se estende por 25 horas, do pôr do sol à noite seguinte, este é o período mais solene do ano judaico, superando até mesmo o Yom Kippur em sua intensidade de luto coletivo por uma série de tragédias que moldaram a história e a identidade do povo judeu.

Este dia sagrado não é dedicado a uma única calamidade, mas sim a uma convergência de infortúnios. O Tisha B'Av tornou-se o epicentro da memória coletiva judaica para os desastres que se abateram sobre a nação ao longo dos milênios, simbolizando a fragilidade da existência e a resiliência do espírito. Cada evento lembrado neste dia representa uma ferida aberta na alma do povo, mas também uma oportunidade para reflexão, arrependimento e esperança na redenção futura.

A Dupla Tragédia dos Templos

Entre os eventos mais catastróficos e simbolicamente carregados recordados em Tisha B'Av, destacam-se as destruições dos Dois Templos Sagrados de Jerusalém, o coração espiritual do judaísmo, ambos ocorridas na mesma data do calendário hebraico, embora com séculos de diferença. Estas perdas não foram meramente edificações físicas; elas representaram a perda da centralidade espiritual, da soberania nacional e da manifestação divina em seu ápice.

A primeira grande catástrofe foi a devastação do Primeiro Templo, conhecido como Templo de Salomão. Construído com magnificência pelo Rei Salomão no século X a.C. (por volta de 957 a.C.), ele serviu como o centro exclusivo do culto judaico por quase quatro séculos. Sua destruição ocorreu no ano de 586 a.C. (ou 587 a.C., segundo algumas cronologias acadêmicas), às mãos do poderoso Império Neobabilônico, liderado pelo temido Rei Nabucodonosor II. Esta calamidade resultou na morte de incontáveis judeus, na pilhagem dos tesouros sagrados e, crucialmente, no exílio babilônico, que dispersou grande parte da população judaica da Terra de Israel.

Ainda mais dolorosa para a memória judaica foi a subsequente destruição do Segundo Templo. Erguido pelos retornados do exílio babilônico a partir de 516 a.C. e posteriormente magnificamente ampliado por Herodes, este Templo permaneceu como o foco da vida religiosa e nacional judaica por mais de 500 anos. Contudo, no ano de 70 d.C., durante a Grande Revolta Judaica contra o domínio romano, ele foi brutalmente arrasado pelas legiões do Império Romano, sob o comando do General Tito (que mais tarde se tornaria Imperador). A queda do Segundo Templo não só marcou o fim da soberania judaica na Terra de Israel por quase dois milênios, mas também deu início à Grande Diáspora, espalhando os judeus por todo o mundo, uma condição que só começou a ser revertida com o estabelecimento do Estado de Israel em 1948.

Além da Destruição dos Templos: Outras Calamidades

O Tisha B'Av, contudo, abarca mais do que apenas a queda dos Templos. A tradição judaica atribui a esta data outras tragédias cruciais, transformando-a em um dia de luto multifacetado pela história de perseguições e sofrimento do povo judeu. Acredita-se que nesta mesma data, outros eventos nefastos tenham ocorrido:

O Significado Contínuo de Tisha B'Av

A observância de Tisha B'Av é marcada por um jejum rigoroso, abstinência de lavagem, untura, uso de calçados de couro e relações conjugais. Os judeus sentam-se no chão ou em bancos baixos, leem lamentações (Eichá) e poemas elegíacos (Kinot) que descrevem as perdas e o sofrimento. É um dia para confrontar a dor do passado, mas também para refletir sobre as causas da destruição – frequentemente atribuídas ao "ódio infundado" (Sinat Chinam) entre os próprios judeus – e para buscar a união e a melhoria de si mesmos. Ao lamentar as tragédias passadas, os judeus reafirmam sua fé na promessa de redenção e na reconstrução de Jerusalém e do Templo nos dias messiânicos.

Perguntas Frequentes (FAQ)

O que é Tisha B'Av?
Tisha B'Av, ou o Nono de Av, é o dia de jejum e luto mais significativo no judaísmo, observado anualmente para comemorar uma série de grandes tragédias que se abateram sobre o povo judeu ao longo da história.
Quais desastres são comemorados em Tisha B'Av?
Os desastres centrais são a destruição do Primeiro Templo (por Nabucodonosor II em 586 a.C.) e a destruição do Segundo Templo (pelos romanos em 70 d.C.). Outros eventos incluem o pecado dos espiões, a aração de Jerusalém pelos romanos, a expulsão dos judeus da Inglaterra (1290) e da Espanha (1492).
Quem destruiu o Primeiro Templo e quando?
O Primeiro Templo de Jerusalém foi destruído pelo Império Neobabilônico, sob o comando do Rei Nabucodonosor II, no ano de 586 a.C.
Quem foi responsável pela destruição do Segundo Templo?
O Segundo Templo foi destruído pelo Império Romano, liderado pelo General (mais tarde Imperador) Tito, no ano de 70 d.C., durante a Grande Revolta Judaica.
Como os judeus observam Tisha B'Av?
A observância inclui um jejum de 25 horas, abstinência de certas atividades prazerosas (como lavar-se, usar calçados de couro, etc.), e a leitura do Livro das Lamentações (Eichá) e poemas elegíacos (Kinot) na sinagoga, refletindo sobre as perdas e buscando a redenção.